As malformações arteriovenosas (MAV) consistem em uma massa de artérias e veias de diferentes tamanhos, malformadas, sem leito capilar intermediário, com diversas comunicações arteriovenosas diretas.
O leito capilar tem a função, em nosso organismo, de reduzir a pressão do sangue e promover um fluxo sanguíneo mais lento, permitindo ao tecido “extrair” os nutrientes necessários. Se não há leito capilar adequado, o fluxo arterial (com pressão maior) vai direto ao sistema venoso (projetado para receber pressões menores) e há, além de risco de ruptura e hemorragia, ausência de nutrição adequada do tecido ao redor.
Devido a isso, encontra-se no permeio da MAV uma pequena quantidade de tecido nervoso, usualmente não funcional.
As MAVs do Sistema Nervoso Central (SNC) surgem ainda na vida intrauterina, entre o 45º e o 60º dia de vida embrionária. Apresentam crescimento e remodelação ao longo da vida.
Sua incidência na população geral varia entre 0,14%e 0,52%, com discreta predominância no sexo masculino.
A idade média ao diagnóstico é 33 anos.
As principais formas de apresentação relacionam-se a quadros hemorrágicos ou convulsivos.
O paciente pode apresentar uma história de crises convulsivas de início recente, generalizadas ou parciais, dependendo da localização da malformação.
Os quadros hemorrágicos usualmente determinam rebaixamento do nível de consciência (desde sonolência até coma) e quadros neurológicos focais (como déficits motores, visuais etc.), podendo levar à morte.
O risco de sangramento (anual) gira em torno de 2% a 4%. Uma vez que o paciente já tenha tido um sangramento, o risco de ressangramento dentro do primeiro ano vai aos 6%. A mortalidade anual (global) é de 1%.
Cada episódio de sangramento tem uma mortalidade de 10%, havendo morbidade (sequelas) significativa em 30% a 50% dos pacientes.
Como se vê, o quadro clínico está na direta dependência de fatores hemodinâmicos e da localização da malformação. Malformações localizadas em áreas eloquentes (“nobres”) produzem déficits catastróficos quando sangram.
De uma forma geral, as formas mais frequentes de apresentação são as crises convulsivas e as hemorragias (aproximadamente 50%). Sintomas de isquemia transitória, déficits focais progressivos, cefaleias tipo enxaquecosas, déficits de memória e alterações psíquicas são menos frequentes.
O diagnóstico se faz através da suspeita clínica levantada pela presença de crises convulsivas de início tardio ou quadros de hemorragia intracraniana espontânea em pacientes adultos jovens.
A tomografia de crânio pode mostrar imagens espontaneamente hiperdensas junto ao parênquima cerebral, com grande impregnação por contraste, sugestivas de estruturas vasculares.
A ressonância magnética define melhor a localização da lesão, fornecendo imagens multiplanares e sua relação com as áreas eloquentes.
O tratamento definitivo das MAV se faz imperativo, já que quando sangram, apresentam consequências desastrosas.
Um único episódio de sangramento pode levar um adulto jovem, em idade economicamente ativa, à invalidez permanente ou à morte súbita, com consequências terríveis para seus familiares.
Atualmente, existem três formas principais de tratamento: o endovascular, a radiocirurgia e a cirurgia. Todas possuem indicações, limites e contraindicações.
De forma geral, as malformações com graus baixos (I ou II de Spetzler-Martin) são passíveisde tratamento por qualquer uma das técnicas.
A terapêutica por via endovascular encontra-se melhor indicada para lesões pequenas, com poucos ramos nutrientes e, preferencialmente, com drenagem por mais de uma veia. Neste tipo selecionado de pacientes, o índice de cura radiológica pode chegar a 80%. Lesões maiores do que 3 cm, com múltiplos pedículos nutridores, com veia única de drenagem, são casos nos quais o resultado endovascular é insatisfatório, com cura inferior a 30%, risco de mortalidade entre 1% e 2% e morbidade entre 6-8%.
A terapia endovascular requer várias sessões, também sob anestesia geral, até que a cura radiológica seja obtida. Existem relatos na literatura de malformações completamente embolizadas e que apresentaram recanalização após anos da terapia (mais de 10 anos).
A radiocirurgia é uma excelente opção para as malformações pequenas e que nunca sangraram. O seu princípio baseia-se em mudanças nas paredes dos vasos induzidas pela radiação, que ocorrem de forma progressiva, ao longo de dois ou três anos. Em malformações menores do que três centímetros, o índice de cura em dois ou três anos atinge 80%. Sua principal desvantagem, no entanto, é só promover a cura após este longo intervalo. Para pacientes que já sangraram, portanto, não constitui boa indicação, uma vez que manterá o risco de sangramento nestes dois primeiros anos.
A radiocirurgia apresenta ainda o risco, mesmo que pequeno, de desenvolvimento de angiopatia em vasos normais, adjacentes à malformação e desenvolvimento de tumores. Atualmente, com os modernos softwares de planejamento e o advento do Gamma-knife, esses eventos são cada vez mais raros.
A cirurgia convencional permanece como gold standard para tratamento na maioria dessas lesões. Lesões com baixo grau (I ou II de Spetzler-Martin) são tratadas em única sessão cirúrgica, com índice de cura de 100% e morbimortalidade próxima a zero. Lesões maiores ou situadas em áreas eloquentes apresentam um maior risco de morbimortalidade para todas as técnicas. O tratamento específico para lesões situadas em áreas eloquentes é discutido em capítulo à parte.
Lesões mais complexas, seja por seu tamanho ou pela sua localização inacessível à cirurgia (tálamo, substância perfurada anterior etc.), são tratadas em conjunto por radiologistas intervencionistas e neurocirurgiões e radiocirurgiões.
A avaliação neuropsicológica destes pacientes é parte importante do tratamento, especialmente em lesões localizadas em áreas eloquentes.
A neuropsicóloga pode, através dos testes apropriados, determinar a dominância cerebral, topografar de forma aproximada a área da fala e detectar sutis déficits de memória ou performance intelectual nos pacientes, facilmente desapercebidos por profissionais não treinados.
O acompanhamento psicológico é parte importante ainda no pós-operatório imediato dos pacientes que acordam com déficits transitórios, frequentes nas MAV localizadas em áreas eloquentes.
A assistência fisioterápica especializada é parte fundamental da reabilitação destes pacientes, trazendo-os de volta às condições pré-operatórias em tempo reduzido.
De forma geral, malformações arteriovenosas com baixos graus de Spetzler-Martin (I ou II) são indicadas primariamente para tratamento microcirúrgico. Lesões com graus acima de III são discutidas, sendo raramente utilizada a embolização adjuvante.
Pacientes portadores de malformações em locais de difícil acesso cirúrgico (profundas) e que não se apresentaram com sangramento, são referenciadas a serviços de radiocirurgia.
Pacientes que apresentam lesões graus IV ou V, não são candidatos, de forma geral, a tratamento cirúrgico isolado. Alguns pacientes com MAV grau IV são tratados com o auxílio de embolização adjuvante, cirurgia e radiocirurgia. Os pacientes com MAV grau V são, geralmente, tratados clinicamente.
Se há uma suspeita de MAV, o melhor a fazer é procurar um neurocirurgião, preferencialmente com subespecialização em Neurocirurgia Vascular, e se submeter a uma avaliação, discutindo pormenores e, principalmente, opções terapêuticas.
As MAV, mesmo que situadas em áreas nobres, são passíveis de CURA sem sequelasquando manuseadas por um neurocirurgião competente e experiente nesta área.